Mundo Afora com Eduardo Xerez - Cuba.02

Foto: arquivo pessoal/Eduardo Xerez

Depois de sobreviver sem grande dificuldade à solidão nas belas praias de Varadero, decidi que era hora de voltar pra Havana, onde até então só conhecia o aeroporto. Por volta das 21h30 fiz o check-in no hotel e corri pro famoso Paseo del Prado, pra tentar jantar num hotel maior, onde o restaurante pudesse ainda estar aberto. Na porta o segurança logo me avisou que a cozinha já ‘tava encerrada. No entanto, ele teria uma solução. “Espera aí!” Beleza, eu quero é comer… Eis que surge uma jovem. “Você quer jantar, sim? Então vem comigo!” Como assim “vem comigo”? De qualquer forma era meu caminho de volta. Na esquina, de canto com meu hotel, ela me pediu pra esperar na calçada e entrou naquele prédio branco e turquesa, velho, mas bastante movimentado. Rapidamente ela voltou, acompanhada. “Olá! Eu sou Juan Carlos. Me diz o que você quer comer, que eu preparo!” Hum hum, honey b. E eu deveria acreditar. Sei. “Você só precisa comprar os ingredientes e eu faço aqui em casa.” Adoro uma aproximação com pessoas do local, mas assim já ‘tava suspeito demais. Debandei. No hotel, o recepcionista me informou de uma vendinha ali perto. Fui. E quem ‘tava na calçada me esperando? Juan Carlos, o próprio! Colou em mim no caminho da mercearia.

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Da janela se fazia o pedido. O sortimento era minimalista. E Juan Carlos me enchia o saco. “Você precisa de leite? Quer isso? Quer aquilo?” Escolhi umas bolachas e algo pra beber. Com toda autonomia ele pegou minha sacola. “Muchas gracias, mas minha sacola levo eu.” Já na nossa esquina, ele queria garantir que nos veríamos de novo. “Vamos sair depois que você comer! Você já ‘tá há alguns dias em Cuba… Já ficou com alguma cubana? Não?! E com um cubano? Também não?! Ah, não creio! Pois vamos pra um clube gay já já!” Nossa, que cara impertinente! “Eu pensei que não havia clubes gays em Cuba!” Ele sorriu. “É, oficialmente não… Mas vou te levar num, que você vai adorar! E lá você pode pegar qualquer cara. É só você me dizer tipo ‘aquele ali de vermelho’, que eu trago ele pra ti. E nem se preocupe que não tem que dar dinheiro a ninguém. Você pode pagar uma bebida e já tá bom.” Confesso que eu adoro uma aventura. Mas naquela situação eu optei por minha cama de hotel, sozinho. Ele insistiu então em dar uma volta por Havana comigo no dia seguinte. Minha relutância não tinha efeito. “Então fazemos assim, eu devo sair do hotel umas 10h da manhã. Se você ‘tiver por aqui, a gente vai junto.” Ele condordou e eu corri pro meu quarto, conformado com minhas bolachas.

Mundo Afora com Eduardo Xerez - Cuba.04Na manhã seguinte fiquei observando da minha varanda a varanda dele e a rua. 9h. Já que ele contava comigo às 10h, aproveitei e escapuli. Ah, que dia lindo! Perambulando pelas ruas da capital cubana é fácil reconhecer os resquícios do resplendor que um dia caracterizou aquele lugar. Depois de uma longa caminhada, eu ‘tava por volta do meio-dia em frente ao imponente Capitólio Nacional. Subtamente um rapaz me aborda. “Ei, você é o Eduardo, do Brasil e ‘tá hospedado no hotel Lido, isso?” Para o mundo agora mesmo! “E quem é você?” Ele era todo simpatia. “Sou Javier. Trabalho no hotel. Vi quando você chegou ontem à noite. Pensei que fosse italiano, pois italianos são assim, bonitos, usam esses óculos grandes…” Hm, elogios à parte, essa história superou as outras! Eu sabia exatamente que ele não ‘tava no pequeno hotel quando cheguei. Mesmo estupefato, mantive o bom-humor, o ignorei e continuei tirando fotos. “Olha só, um suco pra você!” Comecei a me preocupar. Num país onde as pessoas mal têm dinheiro pra comer, o carinha de uns vinte anos compra duas garrafas de suco de uva pra nós. Aí tem coisa! Detalhe, a garrafa de vidro já ‘tava aberta. Imaginei que ele tivesse comprado na lanchonete atrás de mim. Mas mesmo assim, misterioso. Pensa, Eduardo, pensa! Ele já ‘tava terminando a dele e eu ainda fingia dar um gole aqui e ali. Bling! Ideia. “Sabe, Javier, é muito gentil da sua parte. Mas eu não posso tomar. Sou diabético. Mas você já terminou o seu, então toma o meu.” Ele nem se intimidou. “Pois a gente pode jogar fora.” Eu insisti, mas ele encostou minha garrrafa no meio-fio.  Suspeito…

Eu queria me livrar dele (mesmo ele sendo um gatinho), mas ele deixou claro que não arredaria o pé. Então fomos a um bar, onde mais tarde o Buena Vista Social Club se apresentaria. Assim eu poderia pensar melhor. Pessoas passavam pra lá e pra cá, montando o som ou servindo algumas mesas. Ele queria saber quanto eu tinha em dinheiro, queria me levar pra trocar (em um curso bem viável), até queria ir no hospital tirar foto o Fidel Castro, que ‘tava internado! Eu falava relativamente alto pra que percebessem meu incômodo. Quando vi que ele não me deixaria em paz, disse que ‘tava cansado e voltaria pro hotel. Ele saiu do bar junto comigo, lógico. Na calçada, um policial parecia nos esperar. “De onde você conhece ele?” Dissimulado, o tal Javier já foi explicando. “É um amigo do meu pai, do Brasil.” É o quê, menino?! Eu contei toda a história ao policial. Um outro ficava só observando ao lado. Javier não tinha nenhum documento consigo. O policial anotou o nome de seus pais e o seu. António! Eu perguntei ao policial qual nome ele tinha dito. Ele me mostrou o papel. “António. Não foi esse o nome que ele lhe disse ter?” Javier (ou António) começou a se irritar. Deu-me um leve empurrão no peito. “Vai embora! Assim eu não te causo mais estresse, nem você a mim.” Olhei pro policial, explicitamente esperando uma orientação. “Pode ir. Nós cuidamos dele.”

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Foto: arquivo pessoal/Eduardo Xerez

Eu me fui. Mais uma vez nas proximidades do Capitólio, encontrei quatro turistas canadenses e passei o resto da tarde com eles. Nos dias seguintes aproveitei Cuba como pude. Mesmo sendo abordado a cada poucos metros por alguém me chamando pra tomar um mojito ou pra cozinhar pra mim. Um convite eu não resisti, fui levado por um lindo professor de educação física (foi o que ele me disse) pro Callejón de Hamel, próximo ao Malecón, pra sentir a “afrocubanidad”. Não me senti muito à vontade com os olhares estranhos pra mim, mas valeu a experiência! Daí você quer saber se depois de tudo isso eu ainda voltaria a Cuba? SIM!

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